ASPECTOS DA ECONOMIA BRASILEIRA

MARCO ANTÔNIO CAMPO DALL’ORTO

Ao começarmos transitar por este assunto, deveremos considerar nosso passado colonial. Sendo uma colônia portuguesa, estávamos suscetíveis às suas imposições. Como não foram encontradas minas de metais preciosos que auto-financiassem a colonização no Brasil, a experiência portuguesa da cana-de-açúcar nas ilhas atlânticas foi transplantada para o Brasil com vigoroso sucesso. Os portugueses colonizadores que vinham para cá produzir cana-de-açúcar recebiam benefícios fiscais para iniciar seus empreendimentos. Importar a maquinaria do engenho era extremamente caro. O uso da mão-de-obra indígena logo se mostrou de pouca eficiência, sendo então substituída pela disponível do outro lado do Atlântico, a africana. O negócio da cana era muito vantajoso para os empresários do ramo. Após o alto investimento do capital fixo inicial, o produto das colheitas revertia-se em ganhos quase que constantes no curto e no longo prazo. Devido à grande quantidade de terras férteis, clima extremamente favorável, mão-de-obra abundante e mercado consumidor crescente, o açúcar sempre esteve em expansão e a média das perdas nos anos de baixa lucratividade era transformada em recuperação com valorização ascendente nos ciclos de alta durante os séculos coloniais, como afirma Celso Furtado no clássico “Formação Econômica do Brasil”.

Nos primeiros séculos, a faixa litorânea da costa brasileira, principalmente do nordeste, se transformou em uma grande faixa produtora de açúcar. Considerada uma especiaria, esta comodite utilizava mais comumente, capital flamenco, técnica portuguesa e braço africano. Os investidores de Flandres concediam empréstimos a juros altos para os produtores na colônia, que compravam maquinaria importada de Portugal e mão-de-obra africana. O transporte também era domínio holandês. A indústria de máquinas para engenhos de açúcar se desenvolveu enormemente em Portugal e o fato de Portugal já ter um amplo acesso a produtos e escravos africanos, contribuiu sobremaneira para o sucesso do empreendimento da cana-de-açúcar no primeiro século de ocupação do território brasileiro pelos portugueses.

A relação comercial convidativa entre portugueses e flamencos foi fator de importância fundamental para o desenvolvimento do comércio do açúcar. O fato da região de Flandres já possuir um fenomenal potencial de investimento aliado a uma exclusiva rede de escoamento de produtos comerciais por toda a Europa, permitiu à empresa açucareira, uma grande capacidade de produção e escoamento. Geralmente, os carregamentos eram previamente negociados e seguiam do Brasil para Portugal. Portugal, então, revendia o açúcar para os holandeses, que refinavam o produto na Holanda e redistribuíam por toda a Europa. O controle holandês, quase total do negócio do açúcar, tornava Portugal, na realidade, nada mais que um entreposto comercial entre os produtores coloniais e os negociantes flamencos. Com os empréstimos para produção, o frete para a Europa e a tecnologia do refino, os holandeses lucravam em todas as etapas do negócio do açúcar. No entanto, fazendeiros brasileiros mantinham um sólido controle local e Portugal se satisfazia com a validação de seu controle sobre o Brasil através da imigração portuguesa e de um modelo de colonização que gerava um baixo custo para um império decadente. Além de ganhar tempo até que se encontrassem grandes reservas metálicas no Brasil.

Em Portugal, seu foco e suas rendas provenientes das possessões mais ricas do oriente passaram a se reverter em débitos quando o transporte da carga das Índias para a Europa se mostrou extremamente inconstante. A viagem durava cerca de dois anos, a estimativa nos revela que comumente apenas 15% dos que embarcavam retornavam vivos, sede, fome, epidemias, estupros e rebeliões faziam a rotina do convés. O calado dos navios aumentou sucessivamente durante o século 16 para que a capacidade de transporte fosse multiplicada. Os naufrágios chegavam a quase 40% de todos os embarques, em razão da periculosidade da viagem e da superlotação dos navios, gerando perdas volumosas. Aliado a isto, outras nações européias, se beneficiando da espionagem e da contratação de técnicos portugueses, italianos e espanhóis, conseguiram avançar em seus próprios projetos náuticos e em meados do século 16. A esta altura, ameaçavam seriamente a supremacia portuguesa no Oriente. Conseqüentemente, a gradativa reorientação de capitais estrangeiros para o Brasil e para outras fontes de lucro tornou o Império Português um gigante em declínio.

Paralelo a isto, a Espanha crescia a taxas exorbitantes como fruto do fluxo ascendente da prata americana. A própria soberania portuguesa passava a ser uma dúvida. Soberania esta, que se mostrou débil em 1580, quando o rei Felipe II da Espanha impôs a unificação das coroas sob seu comando. O Metalismo mercantilista, e novas teorias econômicas passaram a defender uma balança comercial sempre em superávit e reprimir com vigor a saída de metais e pedras preciosas dos territórios nacionais. Os ingleses chegaram a proibir a saídas de jóias femininas em viagens internacionais de turismo.

Neste ínterim, o organizado comércio do açúcar com a Holanda foi totalmente desconfigurado, uma vez que a Holanda era uma antiga possessão espanhola e considerada por esta, uma província rebelde. Com interesses tão poderosos no comércio açucareiro, a Holanda decidiu invadir o nordeste brasileiro em defesa de seus investimentos. Em 1640, após o declínio espanhol, face a sua política econômica de inversão metálica com as nações produtoras de manufaturados, Portugal retomou o controle da soberania sobre o Brasil, iniciando uma guerra no nordeste brasileiro contra a Holanda para defender seu território mais lucrativo àquela época. A vitória foi parcial, pois a Holanda construiu, com as mesmas bases técnicas utilizadas no Brasil, um grande centro produtor de açúcar nas Antilhas, que fez frente ao açúcar brasileiro, um produto com fluxo garantido em toda a Europa. No entanto, a concorrência holandesa acarretou uma desvalorização significativa nos preços do açúcar no mercado internacional.

O século 17 permitiu uma análise mais acurada sobre a relação de forças que se configurariam no decorrer das décadas, nas relações internacionais. Passou a se confirmar que países exportadores de produtos industriais, de maior valor agregado, possuiriam vantagens futuras. Através dos teóricos, o Capitalismo passou a ser gradativamente decifrado, através de seus modelos econômicos. Estes estudiosos perceberam que durante a Idade Média, a produção era doméstica com cada família produzindo o básico para sua sobrevivência era a forma rudimentar de uma economia extremamente agrícola. Mesmo assim, algumas especialidades como ferreiros, sapateiros, artesão de celas de cavalos e muitos outros passaram a deter cada vez mais o conhecimento desta produção manual orientada para um mercado local. Estes especialistas, com o passar do tempo se agrupavam em grupos de especialistas, ou melhor, Corporações de Ofício. As corporações dedicavam-se a produzir para atender regionalmente seus clientes, os mestres experientes ensinavam as melhores formas de produzir e este conhecimento era meticulosamente preservado em segredo para que a qualidade do produto fosse uma arma contra possíveis concorrentes locais. Com o desenvolvimento das cidades, alguns mercadores passaram a burlar este domínio das corporações. Eles entregavam a matéria-prima e os materiais necessários para a produção para famílias que moravam em vilas e estavam fora do alcance das corporações. O sistema doméstico permitiu novas formas de produção e retirou a exclusividade produtiva do sistema medieval de corporações de ofício. Estes mercadores, com grande mobilidade e com um raio de ação em várias localidades, obtinham uma lucratividade mais acentuada. Esta capitalização acarretou em novas configurações produtivas e em vez de o mercador levar matéria-prima para que seus trabalhadores produzissem em suas próprias casas e ele tivesse que buscar todas as mercadorias em lugares diversos e revendê-las em lugares distantes, a construção de edifícios foi uma saída lucrativa para que os trabalhadores se deslocassem e não os meios produtivos. Estava, embrionariamente, formado o sistema fabril. Sistema que se desenvolveria ao ponto de gerar grandes divisas internas para as nações que tinham sido excluídas do Tratado de Tordesilhas. As tradicionais cidades setentrionais italianas e a região de Flandres passaram a desenvolver melhor seu sistema de captação de matéria-prima, desenvolvimento fabril e escoamento de produtos beneficiados. Os maiores compradores eram os países que possuíam prata e ouro para o consumo, ou com questões sérias de sobrevivência, como foi inicialmente, o caso português.

Os portugueses decidiram oferecer acesso com grandes vantagens para as mercadorias inglesas em seus territórios. Obteriam em troca, a necessária proteção político-militar. Acordos comerciais entre Inglaterra e Portugal foram essenciais para que os dois países pudessem, por toda a época moderna, desenvolver sua indústria e existir como nação respectivamente. Inglaterra tinha escoamento garantido em época de Revolução Industrial e Portugal a soberania relativa de suas possessões face às investidas dos reinos da França e Espanha, principalmente. Ameaça sempre presente, tanto na metrópole quanto nas colônias. Do outro lado do Oceano, o açúcar cumpria seu papel louvadamente. Sendo uma empresa com alta lucratividade, conseguiu se estabelecer intimamente nos aspectos fundamentais do futuro da colônia; contribuir para garantir a integridade territorial e cultural do que seria o Brasil no futuro; moldando as características comportamentais fundamentais para a cultura nacional brasileira, uma cultura híbrida.

Destarte, a cultura brasileira se apresenta como uma das mais fantásticas expressões da humanidade. Sérgio Buarque de Holanda em seu livro fundador “Raízes do Brasil”, configura o povo como uma mistura de diversas etnias, com variadas influências genéticas e realidades particulares. Nossas relações cotidianas são baseadas na demonstração de amizade, característica que sempre impressionou os visitantes do passado e atrai os da atualidade. Mesmo assim, nós outros, os brasileiros, somos tão exigentes, e tão claramente críticos de nós mesmo como povo, que tendemos a exacerbar os nossos próprios erros. Uns atribuem essa exacerbação da autocrítica como reflexos de um estrangeirismo genético, outros como uma característica cultural, simplesmente. Sendo isto um defeito ou qualidade, certo é que ser parte integrante de um povo que visa à felicidade e que a tristeza, a sisudez, a seriedade frias são vistas como um péssimo Modus Vivendis, deve ser admirado, e o é. Já nossa herança político-econômica, deve ser analisada no mais profundo DNA dos mandatários, estes sim, precisam de regulamentações sérias e eficazes.

O início do século 18, mais precisamente em 1703, o Tratado de Methuen entre Portugal e Inglaterra, foi de fundamental relevância para o futuro das duas nações européias e, por conseguinte, do Brasil. Portugal decidiu que dilaceraria sua industrialização através deste tratado com esta nova potência, a Inglaterra. Como conseqüência, garantiria sua soberania territorial, além da perpetuação da influência político-econômica do setor agrário português, pois teriam sua produção de vinho totalmente escoada para a Inglaterra. Os ingleses estavam dispostos a salvaguardar o território português de inimigos potenciais, em contrapartida a produção industrial inglesa teria privilégios de escoamento de seus artigos manufaturados, que já possuíam produção expressiva.

Através de grandes investimentos portugueses, através da parceria com bandeirantes paulistas na procura por metais preciosos no interior, as minas de ouro foram descobertas no que seria a Capitania do Espírito Santo. Grande alívio para as finanças, mas um duro e definitivo golpe no desenvolvimento industrial português, face ao Tratado de Methuen, que repassava o vetor dinâmico do ouro brasileiro quase que por completo à Inglaterra. Portugal do século 18 transferiu para a Inglaterra uma acumulação primitiva de capitais que seria fundamental numa segunda etapa da industrialização do Ocidente Europeu. Capitais investidos em tecnologia, novas formas de produção, transporte e comunicação encontraram na Inglaterra o “fôlego” necessário a partir de 1750. Fôlego que seria português se este não houvesse aniquilado sua indústria em benefício da elite tradicional e de uma proteção inglesa de aluguel.

A força da indústria forneceu ao Ocidente Europeu as bases para a dominação mundial futura, ficando os ibéricos a par deste processo. A debilidade portuguesa se agigantou e chegou ao ápice quando no início do século 19 a invasão napoleônica estimulou a fuga de toda a Corte para o Brasil. Esta debilidade, porém, pode ser convertida em grande estratégia de sobrevivência invertendo-se o ponto de vista. O Brasil era uma grande fonte de renda portuguesa e seu futuro sempre foi encarado como “promissor” nos meandros internacionais. Segundo Estilaque Ferreira dos Santos em seu livro “A Monarquia no Brasil” o projeto político português foi de extrema significância, uma vez que após o fenômeno Napoleônico, a dinastia dos Bragança continuava como a gestora das duas nações: Brasil e Portugal.

No Brasil do século 18, a produção aurífera, porém, mudou toda a economia colonial. Uma imigração em larga escala que vinha de Portugal e do nordeste brasileiro para a região das minas. O nordeste possuía mão-de-obra ociosa devido a crise do açúcar no cenário internacional e Portugal devido a grande pobreza urbana devido, em parte, a sua debilidade industrial. Essa população livre se dirigiu para as lavras mineiras em grande quantidade, no intuito de enriquecer e voltar para sua terra natal. A região sul da colônia contribuiu com a produção em larga escala na criação das mulas para o transporte; melhores adaptadas para as longas distâncias, as mulas geraram renda espetacular para seus criadores. Perfeitas para o fornecimento de produtos alimentícios às nascentes cidades da região mineira foram essenciais para a rotatividade humana, de produtos e escoamento metálico da região das Minas Gerias. Sendo uma riqueza finita, a extração metálica passou a declinar até chegar a uma baixa exponencial no final do século 18. As cidades, gradativamente perderam sua importância econômica do passado áureo. Grande parte da população passou a se concentrar em áreas rurais do sul de Minas Gerais e nas proximidades do Rio de Janeiro, retornando à condição de subsistência. A cultura da cana-de-açúcar e a sua orbital pecuária dividiram o cenário econômico com um breve período de desenvolvimento do algodão no Maranhão. Seu desenvolvimento é fruto da Guerra de Independência Americana e o conseqüente desabastecimento do algodão do norte no mercado mundial, uma vez que os Estados Unidos eram os grandes exportadores do produto àquela época.

Resolvida a querela entre as antigas províncias americanas e a metrópole inglesa, o restabelecimento das exportações da América do Norte fez declinar a comercialização do produto brasileiro. Mesmo assim, tendo o Brasil um porte continental, novos cultivos se revezavam, gerando divisas para nossos empresários agrícolas e metrópole, o que não era revertido em investimentos na própria colônia e muito menos na melhoria das condições sociais dos colonos. A despeito da colonização na América espanhola que já no século 16 havia construído quase uma dezena de universidades e uma legislação que tornava as regiões coloniais americanas uma extensão jurídica da Espanha, no Brasil, o desenvolvimento interno foi pífio, ficando nosso futuro relegado aos latifúndios e aos fazendeiros que não viam estímulos para inverter capitais em mão-de-obra ou infra-estrutura. Pelo contrário, seus filhos se especializavam na Europa. Neste amálgama, um novo produto agrícola, que elevava gradativamente sua área cultivada desde o final do século 18, utilizando as terras do Rio de Janeiro, parte de São Paulo e sul de Minas crescia em importância econômica: o Café.

Com a vinda da Família Real Portuguesa em 1808 para o Brasil, mudanças nas possibilidades de comercialização foram extremamente importantes para o desenvolvimento de um comércio externo entre os produtores e os “países amigos”, isto é, a Inglaterra. Os Tratados de 1810 transferiram para o Brasil todo o arcabouço legislativo, tarifário e militar que existia entre portugueses e ingleses na Europa, desde Methuen. A cultura cafeeira se beneficiou de algumas destas características propulsoras: receptividade inglesa; comerciantes que haviam se beneficiado do comércio de abastecimento de Minas Gerais e possuíam grandes capitais ociosos; mão-de-obra igualmente ociosa nas proximidades, oriundas do esvaziamento urbano minerador; condições climáticas perfeitas para o cultivo e terras fartamente disponíveis. Esta conjunção de vetores favoráveis permitiu um desenvolvimento da produção e exportação de café com grande rapidez. Os capitais investidos foram rapidamente multiplicados e as áreas de cultivos progressivamente duplicadas. O desmatamento da Mata Atlântica dava lugar aos novos campos agrícolas.

Conjuntamente, um mercado consumidor fiel crescia em número e importância na Europa e nos Estados Unidos, tornando a ingestão de cafeína um hábito internacional. Com todo vigor ascendente, a capacidade da mão-de-obra interna passava a ser de grande importância. Pressionados moralmente pela Inglaterra, o tráfico negreiro deixou de existir em 1850. José Murilo de Carvalho no livro “Teatro de Sombras” revela através dos relatórios do Conselho de Estado e dos discursos da Câmara, que a problemática da mão-de-obra escrava passou a ser problema moral inquestionável, já que somente Cuba, além do Brasil, exercia o cativeiro humano.

Os debates se davam na mudança do motor da economia brasileira, o escravo. É assim que a importação de mão-de-obra será cada vez mais levada em conta. Passados as impossibilidades de mudança do início do século 19, já em meados do mesmo século, as circunstâncias levaram o Estado a articular o fim do tráfico. Os escravos, no entanto, eram renegociados internamente, sendo gradativamente transferidos do setor ocioso do algodão e em parte do açúcar nordestino para o sudeste cafeeiro. Economicamente, o café se tornava grande financiador da Balança de Pagamentos brasileira, uma vez que a grande parcela da arrecadação do Brasil àquela época provinha das taxações do comércio externo.

A partir do século 19, o sucesso exponencial do café requisitava maior quantidade de mão-de-obra. Muitos estudos levaram a conclusão de que reunir e convencer a mão-de-obra dispersa em todo o Brasil a se deslocar para a região produtora de café representaria um elevado custo. A solução foi colocar em prática uma idéia antiga, importar braços europeus. O desenvolvimento tardio do capitalista industrial liberal em algumas nações européias recentemente unificadas, como Itália e Alemanha, gerava um êxodo rural relevante e conseqüentemente uma urbanização problemática, devido ao grande excedente populacional que se refugiava nos subúrbios urbanos. Sendo assim, Itália e Alemanha foram grandes fornecedores de trabalhadores para a continuação do processo de crescimentos do espaço cultivável do café e escoamento do excedente populacional dessas nações.

Em fins do século, o café brasileiro representava cerca de três quartos da oferta mundial, seu crescimento no Brasil durante a última metade do século 19 chegou a ser superior a 350%, sob uma taxação anual de cerca de 4,5 por cento. Sendo as exportações o setor mais dinâmico da economia no Brasil do século 19, o café passou a ser o grande motor da engrenagem econômica brasileira. A mesma capacidade que as rendas do café tinham para impulsionar outros vetores econômicos, como a indústria e a urbanização, também foram primordiais para que as relações externas entre o Brasil e as potências européias proporcionassem maior liquidez externa, permitindo um relativo aumento do equilíbrio orçamentário nacional.

Todos os aspectos econômicos positivos gerados pelo café, esperadamente se reverteram em capital político. Os cafeicultores passaram a ser um grupo unido e poderoso, que passou a dominar cada vez mais, os espaços do poder público. A necessidade de políticas no âmbito local, juntamente com um governo que não estivesse umbilicalmente atrelado aos setores tradicionais, como a monarquia, fomentou nos cafeicultores a pressão por reformas. Mão-de-obra barata, descentralização política e legislação protetora, contribuíram para que, adicionando a inquestionável fatalidade da abolição, a implantação da República Federativa no Brasil permitisse dar um maior raio de ação aos cafeicultores. A maior independência estadual republicana frente à antiga centralização monárquica gerou um aumento na liberdade dos grupos cafeeiros, que mobilizaram o Estado em benefício de seus interesses.

Desde a última década do século 19 até o início do século 20 o crescimento do café indicava uma super-produção. Em razão da crise americana de 1893 e do aumento constante do espaço produtivo, fez a saca do café abaixar de 4,5 libras para 1,5 libras no início do século 20, chegando a 20 centavos de libra em 1933. Como medida, os cafeicultores passaram a reter grandes quantidades de café em estoque para diminuir a oferta do produto e gerar uma valorização do mesmo. No entanto, com o aumento do crédito pelos bancos estaduais aos próprios cafeicultores, continuou a fomentar o constante aumento da produção, fazendo com que a política de retenção gerasse grandes perdas para os grandes produtores, que não obtinham mais o retorno econômico do passado. Em 1906 na cidade de Taubaté, os barões do café se reuniram e definiram o que chamaram de “política de valorização” do café. Na prática eles transferiram para o Estado o prejuízo da super-produção. O governo estadual firmaria novos empréstimos e comprava o excedente de café estocado. Os empréstimos seriam quitados com a criação de um novo imposto cobrado na exportação da saca de café. No entanto, adotar tais medidas sem desencorajar o aumento da produção, era uma postergação de um problema que seria mais grave no futuro.

O café era o produto de exportação mais importante do Brasil. Sua geração de recursos era extremamente significativa para as contas públicas, suas divisas eram responsáveis pelo desenvolvimento de outros setores econômicos brasileiros, principalmente o industrial urbano. Em contrapartida, o Brasil ainda era dependente de um produto agrícola de exportação, por esta forma, totalmente suscetível às oscilações do mercado externo. Com todas as oscilações na produção, o consumo sempre se manteve estável em crescimento constante, nunca diminuindo seu espaço de ação. A crise de 1929 foi a prova mais cabal desta assertiva as exportações não decresceram em volume. Politicamente, a República Velha seguiu seu caminho nos trilhos tradicionais. Os vetores mais rentáveis da nação eram os agrícolas, a elite econômica que detinha o controle do Estado ainda era rural e sua perpetuação no poder se deu de forma bem clara e nítida durante todo o período. No entanto, o desenvolvimento embrionário de outros setores foi fundamental para o futuro.

O deslocamento do centro dinâmico se deu a partir o momento em que os financiamentos contraídos para garantir renda aos cafeicultores e ao complexo econômico foram gerando desequilíbrio interno. A crise de 1929 fez com que a diminuição da renda interna chegasse a 30%. Lembramos que nesta época o Brasil não possuía uma indústria auto-suficiente de bens de consumo. Importávamos do sal de cozinha à maquinas. Esta depreciação da renda nacional adicionada por um aumento da ordem de 10% das importações favoreceu a uma procura por produção interna, que se desenvolveu passo a passo, com a estréia da formação própria de capital. A produção cafeeira diminuiu à metade na década de trinta, o que fez com que os investimentos na produção interna encontrassem maior procura. Após utilizarem toda sua capacidade instalada, a produção industrial externa capitalizada passou a importar máquinas (bens de capital) de segunda mão dos países que sofriam os efeitos da crise de 29 e fechado as portas de centenas de fábricas na Europa. Em 1935, a renda no Brasil, já havia se recuperado e o estímulo necessário para a expansão industrial estava plantado. A importância das exportações nas rendas agrícolas baixou de 70 para 57%, a produção industrial cresceu 50% até 1937, recuperação maior que economias como a americana que em 1937 ainda não tinha saído do período depressivo. O Brasil estava pronto para inverter definitivamente a importância do setor de produção interna de coadjuvante para o papel central da economia.

Getulio Vargas decidiu continuar o processo de proteção dos preços internos, mantendo o valor alto das importações. Por seu turno, a importação de bens da capital numa primeira etapa foi primordial para que o ciclo produtivo interno fosse contínuo e proporcionasse maior independência do mercado externo, gerando seu próprio capital. Após circunstâncias desfavoráveis externamente, que foram transformadas em tendência à auto-sustentabilidade, nosso país deixou de ser gradativamente exclusivo-agrônomo. Novos horizontes se abriam para o futuro. Com ventos favoráveis e um projeto nacionalista, o país investiu nas bases da industrialização concreta, numa segunda etapa dedicada à produção de bens duráveis que será acelerada por Juscelino Kubitscheck.

JK levou o Brasil a um crescimento relativamente brusco, onde se definiu qual modelo de industrialização seria posto em prática; rodovias e automóveis foram vedetes daquele tempo. A produção, industrial de base, petrolífera, de minérios e química, fariam com que outros ramos secundários do setor industrial pudessem ter garantias de abastecimento de insumos, energia e transporte. No intuito de se obter uma taxa de crescimento constante. Talvez o Brasil tenha avançado "cinco anos em cinco" como JK afirmava, mas após um século, a comparação entre Brasil e Estado Unidos era evidente. Com indicativos econômicos semelhantes no início do século 19, na metade do século 20 eram diametrais. Os meios de transportes, um dos grandes gargalos do Estado brasileiro àquela época, foram rapidamente beneficiados. Um período áureo, onde havia estabilidade política, social e econômica: os anos 50.

Como conseqüência da "Grande Festa", a dívida deixada por JK foi asfixiante. E seu sucessor Jânio, foi, segundo alguns, um grande excêntrico que sucumbiu à própria política e desistiu do jogo. Seu sucessor, Jango foi manipulado até ser emoldurado em um parlamentarismo à brasileira. A nação via a inflação crescer assustadoramente, a dívida externa estava à galope, a dívida interna algemava a capacidade de investimento do Estado, os empresários às taxas negativas e os salários com uma desvalorização real digna de um pais subdesenvolvido imbicado no "Mundo da Guerra-Fria"; onde a liquidez externa era praticamente nula nestes campos sul-americanos e onde os poucos recursos eram destinados às áreas estratégicas do mundo naquele momento: Europa e Sudeste Asiático, regiões consideradas essenciais para o panorama político internacional americano nas décadas de 50 e 60, frente ao socialismo soviético.

Sob todo este contexto, as classes produtoras juntamente com "o grosso" da classe média e a própria Igreja Católica, inicialmente foram a favor de uma medida cautelar mais austera e emergencial, que a médio prazo seria afrouxada pelos progressos econômicos e pela conseqüente retomada do Estado de Direito e da democracia plena no Brasil. Era o Golpe Militar de 1964. No entanto, logo pôde-se constatar que este foi um grande erro, pois os militares - tradicionalmente afeitos ao poder - não foram capazes de assegurar concomitantemente progresso econômico e distribuição de renda, muito menos um Estado democrático, o que aconteceria somente décadas mais tarde com uma lentidão de causar inveja ao mais letárgico escargot.

Sabemos que o mundo atual é uma construção, basicamente, dos grande investidores internacionais, que através dos seus grandes bancos de investimentos, como os centenários bancos ingleses, americanos e alemães, financiaram o progresso e não raro a exclusão de importantes áreas do globo. É notório que algumas famílias são, simplesmente, proprietárias de parcelas consideráveis do PIB mundial e que em contrapartida o próprio PIB mundial só é o que é devido a essas próprias famílias e seus bancos, que através do crédito às nações em desenvolvimento, fornecessem crescimento econômico em troca de lucro sobre o montante fornecido.

Foi neste contexto que a economia americana foi financiada por bancos ingleses e se tornou uma potência no século 20; que a África do Sul foi dissipada pela segregação racial, mas agora se desenvolve com mais justiça; que Europa ocidental, Japão, Hong Kong e Coréia do Sul foram erguidos e/ou financiados no pós-guerra para servirem de sustentação político-econômica mundial à potência americana e que outros países "menores" (economicamente) como o Brasil, China e Índia, hoje tentam o desenvolvimento pleno, principalmente baseando-se no desenvolvimento interno próprio, reformulando a receita americana de "dívida-riqueza-bem-estar" do passado, para "produção interna-riqueza-eqüidade social".

Para alguns superficialistas, a grandeza da Inglaterra do século 19 veio da sapiência ao vender para os portugueses seus produtos em troca de ouro. Não deixam de ter razão, porém o que há por trás das fábricas inglesas? Financiamentos e decisões de mercado. No século 18, a maioria das famílias inglesas, austeras, vivam em condições limiares, mas as que podiam, investiam suas economias em bancos que reinvestiam o capital acumulado, nas guerras européias do 18 e 19 por uma lucratividade de 3% ao ano, em média. Com o surgimento dos investimentos nas estradas de ferro, uma novidade do início do 19, essa lucratividade aumentou para 11% em média. Isto é, a família de classe média inglesa do século 18 e 19 via o dinheiro como um meio e não um fim, poupava com a mesma inteligência dos esquilos ou das raposas do ártico.

No século 19 o Império Britânico estava, relativamente, garantido economicamente através de grandes reservas monetárias em metais ou em commodities e investimentos ao redor do mundo. Os bancos ingleses então, passaram a financiar o desenvolvimento em produção agrícola, transportes e comunicação em diversas regiões do planeta por meio de generosas quantias financiadas às colônias ou nações periféricas - fornecedoras de matérias-primas que frutificavam em grandes lucros para os ingleses investidores.

Mesmo sendo os Estados Unidos no século 19 malvistos pelos banqueiros europeus em virtude dos atrasos e desregramento contratual, foi desta forma que a indústria americana foi se erguendo à taxas de crescimento invejáveis para os padrões da época. Os transportes, a agricultura, as comunicações e todos os aspectos estruturais necessários para que um Estado possa se desenvolver industrialmente, foram sendo depurados com capital inglês, principalmente, que era reinvestido de uma forma cíclica dentro dos próprios Estados Unidos. Decisões políticas, "generosidade" banqueira européia e inteligência de mercado de estadistas americanos que viram no futuro um presente promissor permitiram aos Estados Unidos saberem criar as condições favoráveis para que em momento oportuno, se tornassem uma potência econômica e conseqüentemente político-militar.
Infelizmente, a América do Sul em sí acabou sendo vítima da própria expansão americana. Logo que as estruturas americanas permitiram ousadia, eles deram início seu projeto imperialista já no século 19, como fizeram Rússia, China e Japão em período análogo. Para nossa infelicidade a Doutrina Monroe foi um "balde de água fria" em nossas pretensões de desenvolvimento independente já no 19. Neste contexto, ficou acertado entre Estados Unidos e os donos do poder na Europa, que a América seria espaço de hegemonia estadunidense, e assim se fez - infelizmente.

No contexto da Guerra-Fria e a formulação de cooperação entre os países ocidentais capitalistas se deu com a liderança americana, maior potência do eixo ocidental. Deste modo, logo após o término da Segunda Grande Guerra, todos os investimentos dos países centrais foram canalizados de forma substancial para os países "essenciais" e o Brasil ficou, literalmente, entregue à sua própria capacidade político-econômica interna já em 1947, deixando à míngua as expectativas do general Dutra.
Na década de 60 os países centrais já tinham concretizado quase que a totalidade de suas metas na própria Europa e nos países orientais capitalistas. Causa que permitiu aos grandes bancos internacionais de investimentos e seus governos passar a destinar montantes significativos - designados como "AID" (ajuda) - ao Terceiro Mundo. No entanto, o período que o nosso país atravessava nesta época, incomodava os interesses americanos. Politicamente, o presidente Jânio e seu vice, Jango, estavam se aproximando de forma desafiadora do socialismo em plena Guerra-Fria. Jânio condecorava Che Guevara em plena Brasília e Jango visitara a China socialista quando o golpe militar, apoiado pela CIA e pelo próprio Estado americano, depôs a pretensão dos mandatários políticos brasileiros.

Economicamente, os primeiros anos do golpe foram de ajustes cambiais e de regulamentações para adequar a inflação, os salários e as dívidas interna e externa a um projeto de crescimento econômico de curto prazo. Uma política econômica extremamente austera e sóbria. Em um segundo momento, o chamado II PND, inverteu-se o método e através de grandes empréstimos de bancos americanos e europeus o Estado brasileiro importou uma enorme quantidade de bens de capital, isto é, máquinas, insumos e tudo que seria necessário para que a indústria interna pudesse ter o poder de crescimento que seria necessário para o futuro a médio prazo. Desta forma, o Brasil passou a ser um dos maiores devedores de todo o planeta. Chegando ao ponto em que alguns grandes bancos internacionais estarem totalmente atrelados ao sucesso ou insucesso do Brasil. Fato que fez com que o Ministro da Fazenda Delfim Neto definiu de forma enfática: "Quando se deve pouco, você depende dos bancos, quando se deve muito, os bancos dependem de você".

A estratégia de crescimento pelo endividamento deu certo, pois nos primeiros anos da década de 70 o Brasil cresceu a taxas de mais de 10% ao ano, chagando ao cume de 14%, era o "milagre econômico". Nesta fase, o Brasil entrou definitivamente para o rol dos países industrializados. Muito foi feito para o enriquecimento do país, a taxa de capital fixo foi espetacular. Porém, a transferência de renda não seguiu o mesmo patamar e as condições de vida da parcela mais pobre da população historicamente sempre foi, e continuou sendo de extrema penúria. Grandes taxas de mortalidade, analfabetismo, doenças devido a falta de saneamento básico e alimentação foram a grande falta política, sem levar em consideração a tortura, a censura, o totalitarismo, a ausência dos direitos humanos consagrados na Revolução Francesa e do total descaso com as liberdades civis, fizeram dos governos militares um asco social inerente às novas gerações.

No oriente, países produtores de petróleo descobriram que o crescimento dos países centrais e do sudeste asiáticos deixaram o mundo mais dependente de petróleo e processo foi natural como a chuva, a dependência gera fraqueza e a fraqueza do ocidente era a grande quantidade de petróleo que era preciso ser importado dos países árabes para movimentar a indústria, os carros, as máquinas e o consumo de todos. Conseqüência: a barril do petróleo em 1973, que era de 2 dólares passou para mais de 50 dólares em 12 meses. O que fez com que o mundo fosse pego de surpresa, já que todos os investimentos e gastos destinados ao curto e médio prazo dos países capitalistas não previam esse aumento brusco do barril do petróleo em tão curto espaço de tempo.

O preço de toda a cadeia produtiva sofreu um abalo impensável e forneceu as bases para um ciclo de recessão mundial com inflação descontrolada, taxa de crescimento negativa na maioria das nações, PIB's em declínio e desemprego vertiginosamente em alta com consumo incipiente. O Brasil que tinha apostado no desenvolvimento interno baseado no pagamento de juros aos devedores internacionais, viu sua dívida subir às alturas, juntamente com a ruptura brusca de exportações brasileiras, uma vez que o mundo passava por dificuldades e as importações de quase todos os países passaram a ser destinadas aos produtos indispensáveis.

Em suma, o Brasil foi traído pelo próprio destino mais uma vez e pela opção política de seus líderes do passado recente. Com grande capacidade produtiva e ociosidade industrial crescente, com a interrupção de créditos internacionais, os militares viram-se obrigados a reorganizar todo o sentido do crescimento econômico, juntamente com o crescimento de maiores parcelas da população para a democratização e a abertura política.


 
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