MARCO ANTÔNIO CAMPO DALL’ORTO
No embate entre os dois sistemas econômicos antagônicos dominantes durante a Guerra Fria, capitalismo e socialismo, havia claramente um posicionamento a ser tomado - tanto entre os Estados através de suas ações políticas, quanto no âmbito particular subjetivo dos indivíduos comuns - comunista ou não? As escolhas pessoais (mesmo que secretas) naquele tempo deviam ser, e eram, claras e evidentes: ou se estava a favor ou contra algum dos dois pólos de poder econômico-político vigentes internacionalmente. Isto, de certa maneira, era norteador das decisões e da “verdade” de cada um do globo. De um modo geral, após a queda do “socialismo real” (1989), na falta de um inimigo comum ou algo para se opor deliberadamente, o mundo entrou em uma era de incertezas.
É fato que a ideologia marxista já foi superada, entre outras razões, também pela sua visão maniqueísta de diferenças entre classes. Ernest Gellner elucida com habilidade que a imposição soviética de um modelo de mundo ao povo russo, foi um caminho desastroso de opressão e isolamento em busca de uma utopia que não deu certo. A prova disso, segundo o autor, foi clara quando a abertura soviética mostrou a fuga em massa daquele “sonho/pesadelo” pelo próprio povo subjugado, ansioso por liberdade e bem-estar social assimilando quase que imediatamente os meandros da vida capitalista. Eric Hobsbawm no clássico Era dos Extremos explica que “o sistema soviético foi projetado para industrializar o mais rapidamente possível um país muito atrasado e subdesenvolvido, na suposição que seu povo se satisfaria com um padrão de vida que garantisse um mínimo social e um padrão de vida material pouco acima da subsistência” (1995-p.375). Percebemos então, pelo que aconteceu naquele início da década de 1990 que Paul Krugman está certo quando afirma que “os consumidores não querem informações, querem bens tangíveis”. O homem, antes de tudo, é um indivíduo.
Com a supremacia do capitalismo – sistema que conseguiu sobreviver mesmo nos mais difíceis estágios e crises devido a sua flexibilidade para lidar com o imprevisto e sua capacidade de lucrar com o sucesso – o mundo perdeu um orientador ideológico. Já que os americanos perdem cada vez mais espaço para as civilizações não-ocidentais, devido a sua incapacidade de gerar otimismo, expectativa e esperança em um mundo melhor. Esta perda de uma exponencial liderança mundial, segundo Samuel Huntington, está gerando hoje um confronto entre as principais civilizações mundiais. Principalmente as localizadas no oriente. Ele afirma ainda que o modelo ocidental de políticas internacionais está gerando uma aversão à cultura ocidental e conseqüentemente um crescimento do poder econômico dos povos estabelecidos como não-ocidentais, que se unem progressivamente em torno dos países núcleos de suas culturas. Huntington expõe que um dos problemas seria a incapacidade dos norte-americanos e europeus conviverem com as diferenças culturais dos outros povos, principalmente os não alinhados com o ocidente.
Talvez, esta crescente aversão mundial aos americanos e a cultura ocidental estejam calcadas em: 1) uma reação xenófoba as invasões americanas por meios militares a países soberanos, para subtrair suas riquezas, impor sua cultura e impulsionar sua monstruosa indústria bélica; 2) a indiferença à causa palestina pelo apoio irrestrito e financiamento militar ao bem sucedido Estado de Israel; 3) as sanções comerciais como tática de persuasão política; 4) a permanência de subsídios à agricultura interna americana, relegando a maioria dos países africanos, asiáticos e latino-americanos, que têm a agricultura como principal produto de exportação, a pobreza contínua e finalmente; 5) o uso do medo como chantagem psico-emocional para confundir o próprio povo americano em troca de aprovação popular para: a) o uso de medidas internas de supressão de alguns direitos individuais e b) o uso de políticas internacionais antidemocráticas e imperialistas.
A grande diferença hoje é que o mundo está interligado culturalmente através dos meios de comunicação via satélite e de eficientes meios de transportes. O mundo hoje é “menor” no que se refere à interação humana física ou virtual. Toda esta evolução acabou acarretando a aproximação entre os indivíduos de várias regiões do planeta, cada um com sua língua, sua raça, seus credos, suas verdades, enfim, sua cultura tradicional. Toda essa gama de novos conhecimentos do “outro”, geraram novas possibilidades de relacionamentos comerciais e gradativamente as fronteiras econômicas se tornam meridianos do invisível. No entanto, em contrapartida, cada vez mais que o entrelaçamento comercial e econômico vai se concretizando, a dependência mútua emoldura o quadro da política mundial. A cada novo raiar, as economias nacionais são mais dependentes dos investimentos ou do comércio externo. Os mercados nacionais hoje são bancos internacionais de investimentos. Hoje, mesmo políticas de proteção interna não conseguem impor seu ritmo neste mundo de extrema dependência do que o estrangeiro quer comprar. Em suma, estamos todos no mesmo barco. Em 1929, vimos como o mundo capitalista precisa de seus compradores e consumidores “saudáveis”. A Alemanha foi revigorada após a Segunda Guerra, por que era mais interessante rica do que pobre. O sucesso da “Era de Ouro” mostrou como as economias são velozes quando unidas no mesmo sopro de crescimento. As crises da década de 70, o novo desastre da Bolsa americana de 1987 e a crise internacional de 1992 deixaram claro que o melhor é ter vizinhos estáveis financeiramente. Há menos de uma década pudemos observar a tormenta vinda da Rússia e da Ásia. E ao nosso lado, o perigo argentino atingindo a saúde dos nossos negócios. Porém, segundo alguns especialistas o capitalismo ainda não está totalmente decifrado e entendido. O que já se sabe, por exemplo, é que ele vive em ciclos de “vacas gordas e vacas magras”. O maior desafio então, é evitar que a próxima seca castigue o campo global e entender a verdadeira essência da meteorologia capitalista.
É por esta razão, que neste instante a maior nação do planeta também depende do bom relacionamento com outros países. Como exemplo, podemos citar a China e a Arábia Saudita, pois somente esses dois países juntos detêm mais de 10% do PIB americano em investimentos e esse bom relacionamento se faz necessário quando uma simples opção por parte destes países pode acarretar uma desestabilização significativa e efetivamente impedir que a máquina estatal da grande potência funcione adequadamente. Manuel Castels trabalha muito bem com a tendência mundial acerca da perda de poder do Estado-nação, uma vez que “os esforços do Estado para restaurar sua legitimidade por meio da descentralização do poder administrativo, delegando-o às esferas regionais e locais. Estimulam as tendências centrífugas ao trazer cidadãos para a órbita do governo, aumentando, porém a indiferença destes em relação ao Estado-Nação”. Diferentemente de antes, os mecanismos de atuação estatal estão cada vez mais limitados às imposições dos investidores, enfraquecendo cada vez mais o poder dos Estados-Nação inclusos no modelo capitalista globalizado.
Krugman tenta mostrar, no entanto, que há meios de absorver as tendências do presente para medir ações e atitudes do futuro. Ele encara os problemas atuais e do devir de uma forma bastante realista e põe “em xeque” alguns paradigmas atuais. Um exemplo dado por ele, sobre a orientação para o trabalho, deve ser a utilização de práticas políticas visando às necessidades presentes reais, não a futuros complexos e com pouca relação com a realidade social atual. O autor acrescenta que “os trabalhadores de colarinho-branco, com educação universitária estavam (em 1996) sendo demitidos em grandes quantidades, mesmo quando os operadores de máquinas especializados e outros trabalhadores de macacão eram objeto de grande procura”. Isto é, será que as políticas adotadas estão realmente em consonância com as necessidades do capitalismo do século XXI? Será que, a educação dos jovens voltada para a área técnica realmente não é a solução para o desemprego, grande problema da atualidade mesmo em países desenvolvidos? Temos o exemplo atual do governo francês que tentou impor a supressão de alguns direitos trabalhistas aos jovens de hoje, pais de família de amanhã. Será que o preço que devemos pagar para que a economia nacional seja competitiva, está baseado no fracasso da teoria de Keynes do bem-estar social? Questões levantadas que devem ser discutidas à exaustão pelos órgãos públicos e sociedade como um todo.
Por fim, devemos ser utópicos na medida dos iluministas e pensar em um modelo de futuro ideal para todos e o que fazer para alcançar este mundo novo. Pensar radicalmente em mudanças profundas no que está claramente fracassando ou que já é de notório fracasso. No entanto, não podemos cair nos erros dos próprios iluministas e desconsiderar o passado tradicional, mas sim usar nossas características sociais e culturais como meios para alcançar, através de análises realistas do presente, um futuro que não seja simplesmente utópico como sinônimo de irrealizável e sim como difícil, complexo, mas possível. Mesmo assim, não devemos buscar o fundamentalismo como explica Anthony Giddens na defesa das tradições. Para Giddens, podemos utilizar uma “modernização reflexiva” para que as atitudes cotidianas estejam sempre em consenso com a realidade e o projeto futuro de sociedade. Não é uma tarefa fácil, descobrir o que será bom no futuro, o que fazer para conseguir e se os fins justificam os meios. Porém, não será impossível quando possuirmos uma classe dirigente que esteja irremediavelmente regulamentada em normas punitivas severas, fiel a práticas de defesa do regime democrático, das riquezas nacionais, ao futuro do Brasil e uma sociedade cada vez mais consciente de sua posição de tecelã da rede social, atuante e instruída.
E qual seria o papel da História nestas adaptações de valores e práticas do mundo que nos cerca? Segundo as análises de Richard Rorty, a História deve exercer um papel fundamental na concretização de novas ideologias sociais em busca de uma nova mentalidade, pois para ele hoje existe uma “inabilidade de se construir uma narrativa de progresso plausível”. Para Rorty, os pensamentos filosóficos e a própria filosofia “é um bom servo, mas um péssimo mestre”. Por isso, devemos analisar o processo histórico na busca de meios para reconhecer atitudes para processos futuros. A construção de valores baseados na mútua convivência entre os povos é a certeza de que o inverso disso é o embate militar, cultural e político. Deve-se almejar a tolerância cultural em troca do fundamentalismo e a aproximação amistosa entre culturas, raças e etnias em vez de críticas sensacionalistas.
A História exerce extrema importância, no que tange o conhecimento do processo de convivência entre os mais diversos povos, as conseqüências negativas e positivas geradas por distintas práticas dessa convivência e as possibilidades de alternância no modo de pensar e agir. Por isso, é compromisso da História investir em uma nova concepção de mundo baseado na aceitação em troca da negação, da aproximação em troca dos subsídios e o intercâmbio em troca das extradições.
Essas experiências, no entanto devem ser absorvidas pelo professor e repassadas de forma adequada para seus alunos cotidianamente. São as concepções teóricas que irão propulsar novas abordagens dos conteúdos no amálgama entre o tradicional e o atual, formando um novo currículo escolar que encare o passado como método de se chegar a um futuro coerente com as possibilidades inertes do hoje e transformar o conhecimento amorfo, prolixo, enfadonho, sem nexo e propósito em algo de cunho “revolucionário” no sentido de mudança para uma consciência crítica e responsável.